Recentemente, a mídia circulou uma notícia um tanto quanto curiosa: uma suposta falha no aplicativo de navegação urbana Waze jogou centenas de motoristas na mesma direção e gerou um completo caos no tráfego da região[1]. Sim, você leu certo: um problema em um aplicativo de celular congestionou uma enorme parte de São Paulo. A história fica ainda mais interessante se lembrarmos que a tecnologia do Waze foi desenvolvida em Israel e está hospedada em três bancos de servidores, que garantem sua funcionalidade em 62 países[2]. O que significa dizer, em outros termos, que um serviço sequer hospedado dentro do Brasil pôde determinar o comportamento dos motoristas e literalmente triplicar o trânsito de uma cidade do país.

Todo este processo faz parte de uma característica atribuída aos produtos/serviços de boa parte das start-ups: a escalabilidade. Steve Blank, um grande estudioso do movimento empreendedor atual, já afirmou[3] diversas vezes que start-ups não são “versões menores de empresas grandes”, e sim organizações que já nasceram “desenhadas propositalmente para se tornarem grandes”. Em síntese, ser escalável significa crescer em volume de acesso, usos ou qualquer outro indicativo de penetração de mercado sem que os custos sejam aumentados em mesma proporção ou que a qualidade seja prejudicada.

Mas o que isto tem a ver com o direito?

Em um primeiro momento, é possível imaginar que o conceito de escalabilidade é exclusivamente business, ou seja, relacionado a características de gestão, mercado e administração das start-ups. Contudo, a possibilidade de replicar as atividades da empresa de uma forma rápida e global em velocidade quase mitótica possui mais implicações jurídicas do que se imagina. De cara, é possível identificar questões relacionadas à globalização de um serviço/produto em diferentes cenários regulatórios. Cada país possui um sistema jurídico próprio, com normas vigentes sob um princípio de territorialidade. Isto significa dizer que uma start-up baseada em determinada região, se escalável, pode até ser utilizada por um indivíduo do outro lado do planeta – mas sua atividade pode ser ilícita neste local. Imaginemos, por exemplo, se um marketplace de venda de armas situado em um estado dos EUA onde a prática é legalizada tivesse seu aplicativo baixado e utilizado no Brasil – onde não é possível comprar uma arma “em qualquer esquina”. Esta internacionalização é uma tarefa difícil para empreendedores que planejam escalar globalmente seus produtos ou serviços, uma vez que correm o sério risco de encontrarem situações de ilegalidade ou maior complexidade regulatória em alguns países. Outro ponto relevante neste aspecto é o da jurisdição: se necessária medida judicial em caso de algum problema causado por determinada atividade que pode ser acessada e utilizada em qualquer lugar do planeta, quais leis deverão ser seguidas? É um problema clássico que envolve uma análise caso-a-caso das normas de Direito Internacional aplicadas e os países envolvidos em cada contexto. Para além da questão internacional, a escalabilidade pode ainda trazer questionamentos jurídicos de natureza contratual. Da noite para o dia, um empreendedor pode sair de 50 usos para 5 milhões, aumentando significativamente a chance de surgirem controvérsias pontuais. Isto deve acender uma luz de alerta na start-up para que sejam muito bem definidos os Termos de Uso, Políticas de Privacidade e demais documentos contratuais concernentes a cada caso. Quanto mais pessoas consumindo aquele produto, maior a chance de eventualmente surgir algum problema – e se os documentos de contratação já estiveram adequados para este caso, maior será a segurança jurídica dos envolvidos. Portanto, definir a forma de contratação e manter os seus documentos atualizados é primordial para qualquer start-up, sendo uma questão ainda mais importante para as escaláveis. Entretanto, talvez a questão jurídica mais alarmante da escalabilidade seja a percepção de como start-ups – ou empresas que surgiram como tais – são capazes de impactar de uma forma profunda os comportamentos dos indivíduos e serem determinantes para acontecimentos no “mundo real”. Isto significa dizer que um produto oferecido por uma empresa recém-fundada, pequena e inovadora pode afetar consideravelmente a sociedade como um todo. É um processo em que são criadas novas relações sociais – ou as já existentes são alteradas – e, portanto, o direito deve se adaptar a tais mudanças. Negócios escaláveis são a realidade em um mundo cada vez mais dinâmico e globalizado; start-ups demonstram diariamente que conseguem inovar no alcance de seus produtos ou serviços sem grandes aumentos de custo ou dificuldades técnicas.

Isto é uma expressão muito interessante de como o desenvolvimento rápido da tecnologia torna tênue a linha entre o real e o virtual, o abstrato e o concreto, o on-line e o off-line. Em um minuto na internet[4], o Google recebe 3.5 milhões de pesquisas, enquanto 900 mil pessoas fazem Log-In no Facebook e 4.1 milhões de vídeos são assistidos no YouTube. Se tais números já representam consequências em termos de rede, tráfego e transmissão de informação na internet, imagine se apenas parte de todo este volume se concentrar a algum acontecimento no campo real. A acessibilidade tecnológica é tanta que uma demanda massiva em questão de minutos pode congestionar uma cidade, por exemplo.

Do ponto de vista jurídico, a escalabilidade não necessariamente é algo ruim. Apenas torna preciso um preparo muito maior de todos os envolvidos para que não cause contratempos reais e de difícil resolução. Se empreendedores e os operadores do direito não estiverem preparados para lidar com as questões jurídicas que surgem desta relação em velocidade surpreendente, um dia podemos ter consequências que irão muito além de alguns minutos a mais de trânsito… e aí sim a matéria pode se tornar preocupante.

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